sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A paz do Cristo

Clara Lila Gonzales de Araújo
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou. Eu não vos dou como o mundo a dá.Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize.” (João, 14:27.)

  Jesus, nos momentos derradeiros do Calvário, ao enunciar essa máxima divina para os que o acompanhavam, sabia dos percalços que seus discípulos encontrariam
na trajetória das lutas redentoras, que empreenderiam em seu nome. Segui-lo significava engrandecer-se pelas possibilidades da cooperação espiritual junto às atividades terrenas, enfrentando,no entanto, combates aguerridos do coração para a implantação do Cristianismo no orbe ao sofrerem infindáveis revezes em forma de provas e testemunhos, que haveriam de suportar sem esmorecimentos.

    Ainda hoje sentimos as agruras desse esforço, pois a obra de divulgação da Boa Nova, solidificada pelo Espiritismo, exige trabalhadores persistentes e valorosos,que não desanimem diante das incompreensões do mundo,no longo caminho a percorrer para a meta a ser alcançada, mormente de transformação moral da humanidade.
    Os tempos atuais, contudo, apesar dos ensinamentos recebidos para que mantenhamos a serenidade em prol da edificação das atividades espíritas a desenvolver, nos deixam apreensivos ao verificar que distúrbios sociais, ocorridos em determinadas nações, resultam em excessos de todo tipo por meio de atos extremamente violentos e cruéis, comprometendo o equilíbrio do corpo e do Espírito. Inserido nesse contexto, mas diferenciando-se de alguns países, que exageram nas barbáries cometidas para resolução de suas contendas,não podemos deixar de destacar o Brasil, que tem sido palco de agitações urbanas, a investirem de forma destrutiva contra o bem público e privado, criando empecilhos para os cidadãos.

    Mesmo sendo conhecedores das condições utilizadas pela divina Providência no processo evolutivo dos indivíduos e das coletividades, seja qual for o sistema geopolítico, social e econômico a vigorar em seus territórios, causa-nos tristeza verificar que, após tantas experiências de guerras fratricidas e avassaladoras vividas pelos homens na Terra, de modo algum esta triste realidade os influenciou para que avaliassem a insensatez das ações dessa natureza, prejudicando-lhes o atendimento de suas necessidades de melhoria espiritual.

    Essas questões preocupantes precisam de reflexões mais acuradas, sobretudo por aqueles que sabem da importância da missão espiritual do Brasil como “coração do mundo e pátria do Evangelho” e recomendam a harmonia entre os indivíduos com vistas à união fraterna dos corações. Os espíritas encontram na Doutrina esclarecimentos e iluminação e compreendem os intrincados problemas da vida na matéria, sempre com o intuito de preservar a paz na vivência da tolerância esclarecida.

    A eminente mentora Joanna de Ângelis, em estudos sobre o tema,destaca:Os milênios de cultura e civilização parecem que em nada contribuíram a enefício do homem, que intoxicado pela violência generalizada, adotou filosofias esdrúxulas, em tormentosa busca de afirmação,mediante o vandalismo e a obscenidade, em fugas espetaculares para as “origens”.

    Assim, não obstante os ensinamentos da filosofia clássica encontrados em Platão (427-347 a.C.), na clara definição sobre como deve ser o “estado de concórdia” entre as pessoas: “[...] a paz com o outro só pode resultar da paz interna, isto é, da ausência de impulsos violentos, de tendências agressivas,num indivíduo ou numa nação [...]”,2 a história universal registra, desde as mais longínquas eras, a preocupação dos homens em guerrearem entre si, na procura desordenada de pseudossoluções para sua estada na Terra. Todos aspiram à paz, por considerá-la indispensável à adaptação entre os seres, mas singular é o fato de que teimam em conquistá-la pela agressão, defendendo os seus direitos de maneira hostil e brutal, sob a equivocada certeza de que as injustiças sociais, e suas consequências, só serão corrigidas por uma ordem social diferente, e que deve ser obtida pela força, suprimindo os valores espirituais que, porventura, possam engrandecer o homem na sua trajetória imortal.

    Ao espírita, cabe indagar: devemos aceitar essa falsa noção de paz, quando possuímos grande responsabilidade no fato de reconhecermos a multiplicidade das existências, além da morte, e dos efeitos que advirão das nossas escolhas? A Doutrina consoladora traz indicações seguras para a explicação desse enigma:

    A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade real, sólida, efetiva, senão assente em base inabalável e essa base é a fé, não a fé em tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e que mutuamente se apedrejam, porquanto, anatematizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que toda a gente pode aceitar e aceitará:

    Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinito, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos; de que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada de injusto pode querer; que não dele, porém dos homens vem o mal, todos se considerarão filhosdo mesmo Pai e se estenderão as mãos uns aos outros.

    Essa a fé que o Espiritismo faculta e que doravante será o eixo em torno do qual girará o gênero humano, quaisquer sejam os cultos e as crenças particulares.3 (Destaque nosso.)
    Antes de buscar, pois, os modelos mais confiáveis para a organização das sociedades, a Doutrina Espírita prioriza o homem, o Espírito em marcha evolutiva, centrando suas preocupações no seu aperfeiçoamento, que se dará mediante a obra de autoeducação a ser incentivada em prol da conquista do progresso espiritual de cada indivíduo. Só se vence o mal ao extirpar suas causas geradoras!
    De posse dessas verdades,e com o intuito de neutralizar a ação do mal em todas as suas dimensões, o principal cuidado do espírita deve ser o de buscar, invariavelmente, condições de respeitar os semelhantes, tornando-se solidário e obtendo equilíbrio interior, fruto da alegria de amar desinteressadamente as criaturas.

    Deve também não se deixar influenciar pelos acontecimentos presentes, a turbar as almas de sinceros seareiros, mas sem a necessária vigilância para a preservação da paz legítima, que só será adquirida com acendrado esforço, como conquista inalienável de cada um de nós.
Uma das maneiras de obtermos paz é nos refugiarmos na oração, a fim de nela repousarmos “a mente e o coração na prece”, conforme conselho valioso do Espírito Emmanuel:

    [...] meu amigo, se adotaste efetivamente o aprendizado com o divino Mestre [...] cultiva os interesses de tua alma.[...] penetra o santuário, dentro
de ti mesmo.[...]

    Refugia-te no templo à parte, dentro de tua alma, porque somente aí encontrarás as verdadeiras noções da paz e da justiça, do amor e da felicidade reais, a que o Senhor te destinou.

    Só alcançaremos, porém, esse estado de alma, se permanecermos tranquilos e confiantes na Providência divina, pois somente assim conseguiremos beneficiar os que nos rodeiam e que se deixam angustiar pelos conflitos ruidosos das ruas. É imprescindível não esquecer que o Espiritismo alerta-nos para o fato de que o mundo dos Espíritos, mundo que nos rodeia, experimenta as perturbações que ocorram na matéria, interessado pelos movimentos que se operam entre os homens:

    [...] Ficai, portanto, certos de que, quando uma revolução social se produz na Terra, abala igualmente o mundo invisível, onde todas as paixões, boas e más, se exacerbam, como entre vós. Indizível efervescência entra a reinar na coletividade dos Espíritos que ainda pertencem ao vosso mundo e que aguardam o momento de a ele volver.

    Essa realidade resulta do movimento que entre si trocam os seres encarnados e desencarnados, exercendo, uns sobre os outros, maior ou menor influência, conforme a atração e a afinidade que possuam. Desse modo, é possível captar, pelos esforços que empreendermos em favor da paz, as vibrações de forças espirituais superiores, permitindo que elas possam transmitir irradiações benévolas e pacíficas, sobretudo nos momentos de transtornos, divergências e entrechoques de origem social em nossas coletividades.

    Nunca haverá paz genuína no mundo sem as luzes do Evangelho! E ninguém pode lançar outros fundamentos de justiça e amor, além daqueles que foram assinalados pelo Mestre Jesus!



Referências:
1FRANCO, Divaldo P. Após a tempestade.Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador:Leal, 1974. cap. Delinquência, perversidade e violência, p. 40 a 47.
2JULIA, Didier. Dicionários do homem do século XX. Dicionário da filosofia. Trad. José Américo da Motta Pessanha. Rio de Janeiro: Editora Larousse do Brasil, 1969.p. 246 e 247.
3KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 53. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 18, it. 17.
4XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 6. imp. Brasília: FEB,2013. cap. 147.
5KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 53. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 18, it. 9.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui sua opinião: