1. Bem-aventurados os que têm puro o coração, porquanto verão a Deus. (S.
Mateus, cap. V, v. 8.)
2. Apresentaram-lhe então algumas crianças, a fim de que ele as tocasse,
e, como seus discípulos afastassem com palavras ásperas os que lhas
apresentavam, Jesus, vendo isso, zangou-se e lhes disse: "Deixai que venham a
mim as criancinhas e não as impeçais, porquanto o reino dos céus é para os
que se lhes assemelham. - Digo-vos, em verdade, que aquele que não receber o
reino de Deus como uma criança, nele não entrará." - E, depois de as abraçar,
abençoou-as, impondo-lhes as mãos. (S. MARCOS, cap. X, vv. 13 a 16.)
3. A pureza do coração é inseparável da simplicidade e da humildade. Exclui
toda idéia de egoísmo e de orgulho. Por isso é que Jesus toma a infância como
emblema dessa pureza, do mesmo modo que a tomou como o da humildade.
Poderia parecer menos justa essa comparação, considerando-se que o Espírito
da criança pode ser muito antigo e que traz, renascendo para a vida corporal, as
imperfeições de que se não tenha despojado em suas precedentes existências. Só
um Espírito que houvesse chegado à perfeição nos poderia oferecer o tipo da
verdadeira pureza. E exata a comparação, porém, do ponto de vista da vida
presente, porquanto a criancinha, não havendo podido ainda manifestar nenhuma
tendência perversa, nos apresenta a imagem da inocência e da candura. Daí o não
dizer Jesus, de modo absoluto, que o reino dos céus é para elas, mas
para os que se lhes assemelhem.
4. Pois que o Espírito da criança já viveu, por que não se mostra, desde o
nascimento, tal qual é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança necessita de
cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode dispensar, ternura
que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. Para uma mãe, seu filho
é sempre um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe cativar a solicitude.
Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo devotamento, se, em vez da graça ingênua,
deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter viril e as idéias de um
adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o passado.
Aliás, faz-se necessário que a atividade do princípio inteligente seja
proporcionada à fraqueza do corpo, que não poderia resistir a uma atividade
muito grande do Espírito, como se verifica nos indivíduos grandemente precoces.
Essa a razão por que, ao aproximar-se-lhe a encarnação, o Espírito entra em
perturbação e perde pouco a pouco a consciência de si mesmo, ficando, por certo
tempo, numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades permanecem
em estado latente. E necessário esse estado de transição para que o Espírito
tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua nova existência, tudo
aquilo que a possa entravar. Sobre ele, no entanto, reage o passado. Renasce
para a vida maior, mais forte, moral e intelectualmente, sustentado e secundado
pela intuição que conserva da experiência adquirida.
A partir do nascimento, suas idéias tomam gradualmente impulso, à medida que
os órgãos se desenvolvem, pelo que se pode dizer que, no curso dos primeiros
anos, o Espírito é verdadeiramente criança, por se acharem ainda adormecidas as
idéias que lhe formam o fundo do caráter. Durante o tempo em que seus instintos
se conservam amodorrados, ele é mais maleável e, por isso mesmo, mais acessível
às impressões capazes de lhe modificarem a natureza e de fazê-lo progredir, o
que toma mais fácil a tarefa que incumbe aos pais.
O Espírito, pois, enverga temporariamente a túnica da inocência e, assim,
Jesus está com a verdade, quando, sem embargo da anterioridade da alma, toma a
criança por símbolo da pureza e da simplicidade.
Pecado por pensamentos. - Adultério
5. Aprendestes que foi dito aos antigos: "Não cometereis adultério. Eu,
porém, vos digo que aquele que houver olhado uma mulher, com mau desejo para com
ela, já em seu coração cometeu adultério com ela." (S. Mateus, cap. V, vv.27 e
28.)
6. A palavra adultério não deve absolutamente ser entendida aqui no
sentido exclusivo da acepção que lhe é própria, porém, num sentido mais geral.
Muitas vezes Jesus a empregou por extensão, para designar o mal, o pecado, todo
e qualquer pensamento mau, como, por exemplo, nesta passagem: "Porquanto se
alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, dentre esta raça adúltera
e pecadora, o Filho do Homem também se envergonhará dele, quando vier
acompanhado dos santos anjos, na glória de seu Pai." (S. MARCOS, cap. VIII, v.
38.)
A verdadeira pureza não está somente nos atos; está também no pensamento,
porquanto aquele que tem puro o coração, nem sequer pensa no mal. Foi o que
Jesus quis dizer: ele condena o pecado, mesmo em pensamento, porque é sinal de
impureza.
7. Esse principio suscita naturalmente a seguinte questão: Sofrem-se as
conseqüências de um pensamento mau, embora nenhum efeito produza?
Cumpre se faça aqui uma importante distinção. À medida que avança na vida
espiritual, a alma que enveredou pelo mau caminho se esclarece e despoja pouco a
pouco de suas imperfeições, conforme a maior ou menor boa-vontade que demonstre,
em virtude do seu livre-arbítrio. Todo pensamento mau resulta, pois, da
imperfeição da alma; mas, de acordo com o desejo que alimenta de depurar-se,
mesmo esse mau pensamento se lhe torna uma ocasião de adiantar-se, porque ela o
repele com energia. É indício de esforço por apagar uma mancha. Não cederá, se
se apresentar oportunidade de satisfazer a um mau desejo. Depois que haja
resistido, sentir-se-á mais forte e contente com a sua vitória.
Aquela que, ao contrário, não tomou boas resoluções, procura ocasião de
praticar o mau ato e, se não o leva a efeito, não é por virtude da sua vontade,
mas por falta de ensejo. E, pois, tão culpada quanto o seria se o cometesse.
Em resumo, naquele que nem sequer concebe a idéia do mal, já há progresso
realizado; naquele a quem essa idéia acode, mas que a repele, há progresso em
vias de realizar-se; naquele, finalmente, que pensa no mal e nesse pensamento se
compraz, o mal ainda existe na plenitude da sua força. Num, o trabalho está
feito; no outro, está por fazer-se. Deus, que é justo, leva em conta todas essas
gradações na responsabilidade dos atos e dos pensamentos do homem.
Verdadeira pureza. - Mãos não lavadas
8. Então os escribas e os fariseus, que tinham vindo de Jerusalém,
aproximaram-se de Jesus e lhe disseram: "Por que violam os teus discípulos a
tradição dos antigos, uma vez que não lavam as mãos quando fazem suas
refeições?"
Jesus lhes respondeu: "Por que violais vós outros o mandamento de Deus,
para seguir a vossa tradição? Porque Deus pôs este mandamento: Honrai a vosso
pai e a vossa mãe; e este outro: Seja punido de morte aquele que disser a seu
pai ou a sua mãe palavras ultrajantes; e vós outros, no entanto, dizeis: Aquele
que haja dito a seu pai ou a sua mãe: - Toda oferenda que faço a Deus vos é
proveitosa, satisfaz à lei, - ainda que depois não honre, nem assista a seu pai
ou à sua mãe. Tornam assim inútil o mandamento de Deus, pela vossa tradição.
Hipócritas, bem profetizou de vós Isaías, quando disse: Este povo me honra
de lábios, ma s conserva longe de mim o coração; é em vão que me honram
ensinando máximas e ordenações humanas."
Depois, tendo chamado o povo, disse: "Escutai e compreendei bem isto: -
Não é o que entra na boca que macula o homem; o que sai da boca do homem é que o
macula. -O que sai da boca procede do coração e é o que torna impuro o homem; -
porquanto do coração é que partem os maus pensamentos, os assassínios, os
adultérios, as fornicações, os latrocínios, os falsos-testemunhos, as blasfêmias
e as maledicências. - Essas são as coisas que tornam impuro o homem; o comer sem
haver lavado as mãos não é o que o torna impuro."
Então, aproximando-se, disseram-lhe seus discípulos: "Sabeis que, ouvindo
o que acabais de dizer, os fariseus se escandalizaram?" - Ele, porém, respondeu:
"Arrancada será toda planta que meu Pai celestial não plantou. - Deixai-os, são
cegos que conduzem cegos; se um cego conduz outro, caem ambos no fosso."( S.
Mateus, cap. XV, vv. 1 a 20.)
9. Enquanto ele falava, um fariseu lhe pediu que fosse jantar em sua
companhia. Jesus foi e sentou-se à mesa. - O fariseu entrou então a dizer
consigo mesmo: "Por que não lavou ele as mãos antes de jantar?" Disse-lhe,
porém, o Senhor: "Vós outros, fariseus, pondes grandes cuidado em limpar o
exterior do copo e do prato; entretanto, o interior dos vossos corações está
cheio de rapinas e de iniqüidades. Insensatos que sois! aquele que fez o
exterior não é o que faz também o interior?" (S. LUCAS, cap. XI. vv., 37 a
40.)
10. Os judeus haviam desprezado os verdadeiros mandamentos de Deus para se
aferrarem à prática dos regulamentos que os homens tinham estatuído e da rígida
observância desses regulamentos faziam casos de consciência. A substância, muito
simples, acabara por desaparecer debaixo da complicação da forma. Como fosse
muito mais fácil praticar atos exteriores, do que se reformar moralmente,
lavar as mãos do que expurgar o coração, iludiram-se a si próprios os
homens, tendo-se como quites para com Deus, por se conformarem com aquelas
práticas, conservando-se tais quais eram, visto se lhes ter ensinado que Deus
não exigia mais do que isso. Dai o haver dito o profeta: É em vão que este
povo me honra de lábios, ensinando máximas e ordenações humanas.
Verificou-se o mesmo com a doutrina moral do Cristo, que acabou por ser
atirada para segundo plano, donde resulta que muitos cristãos, a exemplo dos
antigos judeus, consideram mais garantida a salvação por meio das práticas
exteriores, do que pelas da moral. E a essas adições, feitas pelos homens à lei
de Deus, que Jesus alude, quando diz: Arrancada será toda planta que meu Pai
celestial não plantou.
O objetivo da religião é conduzir a Deus o homem. Ora, este não chega a Deus
senão quando se torna perfeito. Logo, toda religião que não torna melhor o
homem, não alcança o seu objetivo. Toda aquela em que o homem julgue poder
apoiar-se para fazer o mal, ou é falsa, ou está falseada em seu principio. Tal o
resultado que dão as em que a forma sobreleva ao fundo. Nula é a crença na
eficácia dos sinais exteriores, se não obsta a que se cometam assassínios,
adultérios, espoliações, que se levantem calúnias, que se causem danos ao
próximo, seja no que for. Semelhantes religiões fazem supersticiosos,
hipócritas, fanáticos; não, porém, homens de bem.
Não basta se tenham as aparências da pureza; acima de tudo, é preciso ter a
do coração.
Escândalos. Se a vossa mão é motivo de escândalo, cortai-a
11. Se algum escandalizar a um destes pequenos que crêem em mim, melhor
fora que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós que um asno faz girar e que o
lançassem no fundo do mar.
Ai do mundo por causa dos escândalos (1); pois é necessário que venham
escândalos; mas, ai do homem por quem o escândalo venha.
Tende muito cuidado em não desprezar um destes pequenos. Declaro-vos
queseus anjos no céu vêem incessantemente a face de meu Pai que está nos céus,
porquanto o Filho do Homem veio salvar o que estava perdido.
Se a vossa mão ou o vosso pé vos é objeto de escândalo, cortai-os e
lançai-os longe de vós; melhor será para vós que entreis na vida tendo um só pé
ou uma só mão, do que terdes dois e serdes lançados no fogo eterno. - Se o vosso
olho vos é objeto de escândalo, arrancai-o e lançai-o longe de vós; melhor para
vós será que entreis na vida tendo um só olho, do que terdes dois e serdes
precipitados no fogo do inferno. (S. MATEUS, cap. XVIII, vv. 6 a 11; V, vv. 29 e
30.)
(1) Nas traduções mais recentes e mais fiéis da Bíblia, a
palavra escândalo está expressa por tropeço (na tradução em Esperanto
falilo), querendo significar que Jesus se referia a tudo o que leva o
homem à queda: o mau exemplo, princípios falsos, abuso do poder, etc. - A
Editora.
12. No sentido vulgar, escândalo se diz de toda ação que de modo
ostensivo vá de encontro à moral ou ao decoro. O escândalo não está na ação em
si mesma, mas na repercussão que possa ter. A palavra escândalo implica
sempre a idéia de um certo arruído. Muitas pessoas se contentam com evitar o
escândalo, porque este lhes faria sofrer o orgulho, lhes acarretaria perda de
consideração da parte dos homens. Desde que as suas torpezas fiquem ignoradas, é
quanto basta para que se lhes conserve em repouso a consciência. São, no dizer
de Jesus: "sepulcros branqueados por fora, mas cheios, por dentro, de podridões;
vasos limpos no exterior e sujos no interior".
No sentido evangélico, a acepção da palavra escândalo, tão amiúde empregada,
é muito mais geral, pelo que, em certos casos, não se lhe apreende o
significado. Já não é somente o que afeta a consciência de outrem, é tudo o que
resulta dos vícios e das imperfeições humanas, toda reação má de um indivíduo
para outro, com ou sem repercussão. O escândalo, neste caso, é o resultado
efetivo do mal moral.
13. É preciso que haja escândalo no mundo, disse Jesus, porque,
imperfeitos como são na Terra, os homens se mostram propensos a praticar o mal,
e porque, árvores más, só maus frutos dão. Deve-se, pois, entender por essas
palavras que o mal é uma conseqüência da imperfeição dos homens e não que haja,
para estes, a obrigação de praticá-lo.
14. É necessário que o escândalo venha, porque, estando em expiação na
Terra, os homens se punem a si mesmos pelo contacto de seus vícios, cujas
primeiras vitimas são eles próprios e cujos inconvenientes acabam por
compreender. Quando estiverem cansados de sofrer devido ao mal, procurarão
remédio no bem. A reação desses vícios serve, pois, ao mesmo tempo, de castigo
para uns e de provas para outros. E assim que do mal tira Deus o bem e que os
próprios homens utilizam as coisas más ou as escórias.
15. Sendo assim, dirão, o mal é necessário e durará sempre, porquanto, se
desaparecesse, Deus se veria privado de um poderoso meio de corrigir os
culpados. Logo, é inútil cuidar de melhorar os homens. Deixando, por m, de haver
culpados, também desnecessário se tornariam quaisquer castigos. Suponhamos que a
Humanidade se transforme e passe a ser constituída de homens de bem: nenhum
pensará em fazer mal ao seu próximo e todos serão ditosos por serem bons. Tal a
condição dos mundos elevados, donde já o mal foi banido; tal virá a ser a da
Terra, quando houver progredido bastante. Mas, ao mesmo tempo que alguns mundos
se adiantam, outros se formam, povoados de Espíritos primitivos e que, além
disso, servem de habitação, de exílio e de estância expiatória a Espíritos
imperfeitos, rebeldes, obstinados no mal, expulsos de mundos que se tornaram
felizes.
16. Mas, ai daquele por quem venha o escândalo. Quer dizer que o mal
sendo sempre o mal, aquele que a seu mau grado servir de instrumento à justiça
divina, aquele cujos maus instintos foram utilizados, nem por isso deixou de
praticar o mal e de merecer punição. Assim é, por exemplo, que um filho ingrato
é uma punição ou uma prova para o pai que sofre com isso, porque esse pai talvez
tenha sido também um mau filho que fez sofresse seu pai. Passa ele pela pena de
talião. Mas, essa circunstancia não pode servir de escusa ao filho que, a seu
turno, terá de ser castigado em seus próprios filhos, ou de outra maneira.
17. Se vossa mão é causa de escândalo, cortai-a. Figura enérgica esta,
que seria absurda se tomada ao pé da letra, e que apenas significa que cada um
deve destruir em si toda causa de escândalo, isto é, de mal; arrancar do coração
todo sentimento impuro e toda tendência viciosa. Quer dizer também que, para o
homem, mais vale ter cortada uma das mãos, antes que servir essa mão de
instrumento para uma ação má; ficar privado da vista, antes que lhe servirem os
olhos para conceber maus pensamentos. Jesus nada disse de absurdo, para quem
quer que apreenda o sentido alegórico e profundo de suas palavras. Muitas
coisas, entretanto, não podem ser compreendidas sem a chave que para as decifrar
o Espiritismo faculta.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS
Deixai que venham a mim as criancinhas
18. Disse o Cristo: "Deixai que venham a mim as criancinhas." Profundas em
sua simplicidade, essas palavras não continham um simples chamamento dirigido às
crianças, mas, também, o das almas que gravitam nas regiões inferiores, onde o
infortúnio desconhece a esperança. Jesus chamava a si a infância intelectual da
criatura formada: os fracos, os escravizados e os viciosos. Ele nada podia
ensinar à infância física, presa à matéria, submetida ao jugo do instinto, ainda
não incluída na categoria superior da razão e da vontade que se exercem em torno
dela e por ela.
Queria que os homens a ele fossem com a confiança daqueles entezinhos de
passos vacilantes, cujo chamamento conquistava, para o seu, o coração das
mulheres, que são todas mães. Submetia assim as almas à sua terna e misteriosa
autoridade. Ele foi o facho que ilumina as trevas, a claridade matinal que toca
a despertar; foi o iniciador do Espiritismo, que a seu turno atrairá para ele,
não as criancinhas, mas os homens de boa-vontade. Está empenhada a ação viril;
já não se trata de crer instintivamente, nem de obedecer maquinalmente; é
preciso que o homem siga a lei inteligente que se lhe revela na sua
universalidade.
Meus bem-amados, são chegados os tempos em que, explicados, os erros se
tomarão verdades. Ensinar-vos-emos o sentido exato das parábolas e vos
mostraremos a forte correlação que existe entre o que foi e o que é. Digo-vos,
em verdade: a manifestação espírita avulta no horizonte, e aqui está o seu
enviado, que vai resplandecer como o Sol no cume dos montes. -João
Evangelista. (Paris, 1863.)
19. Deixai venham a mim as criancinhas, pois tenho o leite que fortalece os
fracos. Deixai venham a mim todos os que, tímidos e débeis, necessitam de amparo
e consolação. Deixai venham a mim os ignorantes, para que eu os esclareça.
Deixai venham a mim todos os que sofrem, a multidão dos aflitos e dos
infortunados: eu lhes ensinarei o grande remédio que suaviza os males da vida e
lhes revelarei o segredo da cura de suas feridas! Qual é, meus amigos, esse
bálsamo soberano, que possui tão grande virtude, que se aplica a todas as chagas
do coração e as cicatriza? E o amor, é a caridade! Se possuís esse fogo divino,
que é o que podereis temer? Direis a todos os instantes de vossa vida: "Meu Pai,
que a tua vontade se faça e não a minha; se te apraz experimentar-me pela dor e
pelas tribulações, bendito sejas, porquanto é para meu bem, eu o sei, que a tua
mão sobre mim se abate. Se é do teu agrado, Senhor, ter piedade da tua criatura
fraca, dar-lhe ao coração as alegrias sãs, bendito sejas ainda. Mas, faze que o
amor divino não lhe fique amodorrado na alma, que incessantemente faça subir aos
teus pés o testemunho do seu reconhecimento!" Se tendes amor, possuís tudo o que
há de desejável na Terra, possuís preciosíssima pérola, que nem os
acontecimentos, nem as maldades dos que vos odeiem e persigam poderão arrebatar.
Se tendes amor, tereis colocado o vosso tesouro lá onde os vermes e a
ferrugem não o podem atacar e vereis apagar-se da vossa alma tudo o que seja
capaz de lhe conspurcar a pureza; sentireis diminuir dia a dia o peso da matéria
e, qual pássaro que adeja nos ares e já não se lembra da Terra, subireis
continuamente, subireis sempre, até que vossa alma, inebriada, se farte do seu
elemento de vida no seio do Senhor. - Um Espírito protetor. (Bordéus,
1861.)
Bem-aventurados os que têm fechados os olhos (1)
(1) Esta comunicação foi dada com relação a uma pessoa cega,
a cujo favor se evocara o Espírito de J. B. Vianney, cura d’Ars.
20. Meus bons amigos, para que me chamastes? Terá sido para que eu imponha as
mãos sobre a pobre sofredora que está aqui e a cure? Ah! que sofrimento, bom
Deus! Ela perdeu a vista e as trevas a envolveram. Pobre filha! Que ore e
espere. Não sei fazer milagres, eu, sem que Deus o queira. Todas as curas que
tenho podido obter e que vos foram assinaladas não as atribuais senão àquele que
é o Pai de todos nós. Nas vossas aflições, volvei sempre para o céu o olhar e
dizei do fundo do coração: "Meu Pai, cura-me, mas faze que minha alma enferma se
cure antes que o meu corpo; que a minha carne seja castigada, se necessário,
para que minha alma se eleve ao teu seio, com a brancura que possuía quando a
criaste." Após essa prece, meus amigos, que o bom Deus ouvirá sempre, dadas vos
serão a força e a coragem e, quiçá, também a cura que apenas timidamente
pedistes, em recompensa da vossa abnegação.
Contudo, uma vez que aqui me acho, numa assembléia onde principalmente se
trata de estudos, dir-vos-ei que os que são privados da vista deveriam
considerar-se os bem-aventurados da expiação. Lembrai-vos de que o Cristo disse
convir que arrancásseis o vosso olho se fosse mau, e que mais valeria lançá-lo
ao fogo, do que deixar se tornasse causa da vossa condenação. Ah! quantos há no
mundo que um dia, nas trevas, maldirão o terem visto a luz! Oh! sim, como são
felizes os que, por expiação, vêm a ser atingidos na vista! Os olhos não lhes
serão causa de escândalo e de queda; podem viver inteiramente da vida das almas;
podem ver mais do que vós que tendes límpida a visão!... Quando Deus me permite
descerrar as pálpebras a algum desses pobres sofredores e lhes restituir a luz,
digo a mim mesmo: Alma querida, por que não conheces todas as delicias do
Espírito que vive de contemplação e de amor? Não pedirias, então, que se te
concedesse ver imagens menos puras e menos suaves, do que as que te é dado
entrever na tua cegueira!
Oh! bem-aventurado o cego que quer viver com Deus. Mais ditoso do que vós que
aqui estais, ele sente a felicidade, toca-a, vê as almas e pode alçar-se com
elas às esferas espirituais que nem mesmo os predestinados da Terra logram
divisar. Abertos, os olhos estão sempre prontos a causar a falência da alma;
fechados, estão prontos sempre, ao contrário, a fazê-la subir para Deus.
Crede-me, bons e caros amigos, a cegueira dos olhos é, muitas vezes, a
verdadeira luz do coração, ao passo que a vista é, com freqüência, o anjo
tenebroso que conduz à morte.
Agora, algumas palavras dirigidas a ti, minha pobre sofredora. Espera e tem
ânimo! Se eu te dissesse: Minha filha, teus olhos vão abrir-se, quão jubilosa te
sentirias! Mas, quem sabe se esse júbilo não ocasionaria a tua perda! Confia no
bom Deus, que fez a ventura e permite a tristeza. Farei tudo o que me for
consentido a teu favor; mas, a teu turno, ora e, ainda mais, pensa em tudo
quanto acabo de te dizer.
Antes que me vá, recebei todos vós, que aqui vos achais reunidos, a minha
bênção. - Vianney, cura d'Ars. (Paris, 1863.)
21. NOTA. Quando uma aflição não é conseqüência dos atos da vida presente,
deve-se-lhe buscar a causa numa vida anterior. Tudo aquilo a que se dá o nome de
caprichos da sorte mais não é do que efeito da justiça de Deus, que não inflige
punições arbitrárias pois quer que a pena esteja sempre em correlação com a
falta. Se, por sua bondade, lançou um véu sobre os nossos atos passados, por
outro lado nos aponta o caminho, dizendo: '"Quem matou à espada, pela espada
perecerá", palavras que se podem traduzir assim: "A criatura é sempre punida por
aquilo em que pecou." Se, portanto, alguém sofre o tormento da perda da vista, é
que esta lhe foi causa de queda. Talvez tenha sido também causa de que outro
perdesse a vista; de que alguém haja perdido a vista em conseqüência do excesso
de trabalho que aquele lhe impôs, ou de maus-tratos, de falta de cuidados, etc.
Nesse caso, passa ele pela pena de talião. É possível que ele próprio, tomado de
arrependimento, haja escolhido essa expiação, aplicando a si estas palavras de
Jesus: "Se o teu olho for motivo de escândalo, arranca-o."
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui sua opinião: